Primeira mulher a assumir a presidência da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT), em 2018, a Professora Dra. Patrícia Fucs tem uma trajetória de amor e dedicação pela Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, pela SBOT e, principalmente, pela ortopedia
Parafraseando a frase que dá título à essa reportagem, retirada do discurso de posse da recém-empossada vice-presidente do Estados Unidos, Kamara Harris, a ex-presidente da SBOT, Patrícia Maria de Moraes Barros Fucs crê que seu período a frente da Sociedade foi apenas um capítulo de uma história que ainda deve reservar importantes momentos para as mulheres da especialidade.
Graduada em medicina pela Faculdade Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo em 1981, ela não tem um motivo específico para ter escolhido a medicina. Só sabia que queria fazer medicina. Entretanto, ao se deparar com os famosos tijolinhos da Santa Casa de São Paulo foi amor à primeira vista. “Alguma coisa me trouxe uma sensação de pertencimento. Primeiro fiquei encantada visualmente com o lugar, depois tive essa sensação muito forte de fazer parte desse lugar. Obviamente que a Santa Casa não me pertence, mas eu sem dúvida pertenço a Santa Casa.” Lá ela completou a residência, fez preceptoria e doutorado (1995), é Chefe de Clínica Adjunto do Departamento de Ortopedia e Traumatologia – Pavilhão Fernandinho Simonsen – da Santa Casa. Desde 2015 é Professora Titular da Faculdades de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e Orientadora do Curso de Pós-Graduação em Ciências da Saúde (Mestrado e Doutorado). “Talvez eu seja a única Professora Titular no Brasil de Ortopedia e Traumatologia. É um orgulho muito grande e vejo como a coroação de uma vida dedicada ao trabalho.”
A escolha pela ortopedia não veio de maneira direta. Ela, assim como sua trajetória profissional, foi se construindo desde o primeiro ano de graduação. “Eu sabia que queria seguir na carreira cirúrgica, qualquer tipo de cirurgia. É algo muito empolgante e que traz uma sensação que estamos construindo e modificando o contexto dos pacientes com algo especial. Já no primeiro ano eu tive a oportunidade acompanhar as enfermeiras para aprender a fazer punção, acompanhar a tipagem das crianças que passariam por cirurgia. E foi assim que passei a frequentar o Pavilhão Fernandinho Simonsen. Mas sinceramente eu nem sabia direito o que um ortopedista fazia!”. Mal sabia ela a trajetória que viria pela frente. Conversando com o então Chefe da Ortopedia era o Prof. Waldemar de Carvalho Pinto Jr., ela foi direta. “Falei para ele que eu faria qualquer negócio. Eu fico em qualquer grupo, só não quero sair da Santa Casa. E aí eu fiquei e estou até hoje no Grupo de Doenças Neuromusculares”.
Do início da carreira ficam as boas lembranças, dos aprendizados e das relações de companheirismo construídas com os colegas nos tempos de residências e nos plantões caóticos. “Deu tudo certo. Foi muito puxado? Foi sim. Mas é uma época que eu tenho saudades. É uma fase de grande aprendizado e amadurecimento como pessoa, como médica e, depois, como preparação para se tornar uma especialista. É muito trabalhoso, mas não é impossível. E eu realmente acredito que as coisas não vêm de graça se não houver trabalho, dedicação e comprometimento. E se for olhar agora para trás, tudo passou tão rápido!”
Protagonismo feminino
O começo do período da ortopedia foi bastante difícil pois a equipe ainda não sabia muito bem lidar com a presença de uma mulher na rotina. “Para se ter uma ideia, durante a residência não havia uma estrutura física para receber residentes mulheres. Até então era um Departamento apenas de homens. Foi uma questão que precisou ser discutida e construída. Eu acredito que todos devam ser tratados de maneira igual. Sejam homens ou mulheres. Em um ambiente masculino como é a ortopedia os homens ainda têm dificuldade de entender o que é essa desigualdade na prática.”
Ela ressalta, entretanto, que nunca teve queixas diretas dos profissionais com os quais conviveu. “Aliás, sou muito grata pois sempre tive o apoio do meu marido e da minha família e a sorte de ter sempre boas pessoas pelo caminho ao longo ao longo de todos esses anos. Eu só cheguei até algum lugar, se é que eu realmente cheguei, é por que eu tive a boa fortuna de encontrar boas pessoas.”
A especialista avalia que ainda faltam oportunidades para que as mulheres ocupem os seus espaços na ortopedia – e mesmo na própria vida associativa -, mas, por outro lado, ressalta que ainda é difícil encontrar mulheres que queiram assumir esse espaço. “O número de mulheres nas comissões está aumentando. Vejo isso como uma construção. É importante lembrar que em outras escolas da medicina as mulheres já se tornaram maioria. Mas na ortopedia o número de residentes mulheres ainda é muito menor. E quantas dessas poucas – atualmente representam 7% do quadro de associados da SBOT – querem realmente ter um papel associativo? É preciso realmente gostar da sociedade para se dedicar a ela.”
Em resumo, ela ressalta a força e a tradição da SBOT como fatores positivos para que essa construção se dê de maneira positiva nos próximos anos. “Espero estar aqui firme e forte pra ver mais mulheres assumindo a presidência da Sociedade.”
A SBOT
Aliás, a presidência da SBOT em 2018 foi um capítulo não planejado de sua história. Embora sempre estivesse ligada às comissões e acompanhasse os eventos e ações da Sociedade, não passava pela sua cabeça seguir essa carreira associativa. Em 2009 foi indicada pra fazer parte da diretoria da gestão do Dr. Romeu Krause Gonçalves, como 2ª tesoureira. Depois seguiu na coordenação de alguns eventos até que, em 2018 surgiu o convite para concorrer a presidência. “Ser eleita presidente da nossa Sociedade foi algo que me deixou extremamente honrada e feliz. A SBOT é uma sociedade muito especial, em toda a sua importância e complexidade. É uma verdadeira arte administrar a SBOT. E é algo que precisa ficar sempre claro para os ortopedistas. A nossa especialidade precisa da SBOT. É por meio dela que nossos desafios e lutas ganham força e representatividade. E, claro, muitas dessas lutas levam anos, décadas para serem conquistadas”. Além da SBOT, Patrícia também é fundadora e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Ortopedia Pediátrica (SBOP) e da Sociedade Latinoamericana de Ortopedia Infantil (SLAOTI).
E quem é a Patrícia?
“A Patrícia é uma pessoa extremamente familiar, caseira.” Casada com um urologista – que conhece desde os tempos de graduação na Santa Casa -, tem uma filha já adulta. “É um núcleo familiar pequeno, mas meu hobby realmente é cuidar da minha família.” É são-paulina de carteirinha por influência do pai e antes da medicina foi atleta de esgrima por muitos anos. Teve que abandonar o esporte pela dificuldade de conciliar com o período de estudos. “Também gosto muito de ler, de música, de conversar e de manter um vínculo com as minhas amizades.”
Fora isso, a Patrícia é alguém que se sente realizada com a vida e com sua carreira. Entretanto, engana-se quem acha que ela pensa de parar. “Me sinto bem e acredito que ainda faço a diferença quando estou no ambulatório. No dia em que achar que isso não está mais acontecendo vou buscar outras atividades. Enquanto isso, ainda não conclui todos objetivos que me propus. Sempre quis e continuo querendo a ortopedia na minha vida.”
Projeto Referências da Ortopedia Paulista
Em uma entrevista cheia de simbolismo e representatidade, a Profa. Dra. Patrícia Fucs conversou com os Drs. Sérgio Piedade, Editor da Revista da SBOT-SP e com Eiffel Dobashi, sobre sua carreira, inspirações e dos mestres com quem teve a oportunidade de conviver ao longo dos anos.
Confira a entrevista abaixo: